Era uma vez uma porta
que, em
Moçambique, abria para Moçambique.
Junto da porta havia um porteiro. Chegou um
indiano moçambicano e pediu para passar.
O porteiro escutou vozes dizendo:
- Não abras! Essa gente tem mania que passa à
frente!
E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
- Não deixa entrar, esses não são a maioria.
Apareceu um moçambicano branco e o porteiro foi
assaltado por protestos:
-Não abre! Esses não são originais!
E a porta não se abriu. Apareceu um negro moçambicano
solicitando passagem. E logo surgiram protestos:
- Esse aí é do Sul! Estamos cansados
dessas preferências…
E o porteiro negou passagem. Apareceu outro
moçambicano de raça negra, reclamando passagem:
- Se você deixar passar esse aí, nós
vamos-te acusar de tribalismo!
O porteiro voltou a guardar a chave, negando aceder o
pedido.
Foi então que surgiu um estrangeiro, mandando em
inglês, com a carteira cheia de dinheiro. Comprou a porta, comprou o porteiro e
meteu a chave no bolso.
Depois, nunca mais nenhum moçambicano passou por
aquela porta que, em tempos, se abria de Moçambique para Moçambique.
Mia Couto
Nota da autora do post:Uma vez mais trago-vos Mia Couto com este texto tão expressivo que decerto vos deixará a pensar.
M.A.
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