Como tudo começou

25/01/14

O AMOLADOR, LEMBRAM-SE?


Quem não recorda, quer tenha nascido na província ou na cidade, o som, em escala descendente e ascendente, da gaita de beiços de um amolador de facas e tesouras?  Era deste modo que ele anunciava a sua presença na zona e, quem precisasse de recorrer aos seus serviços apressava-se a descer à rua para ir ao seu encontro. 
Além de afiarem as lâminas de tesouras ou facas, punham "pingos" nos fundos dos tachos e panelas e, também, consertavam guarda chuvas. Consigo, traziam mesmo  alguns velhos exemplares de onde retiravam as varetas metálicas que iam substituir as que haviam sido partidas ou amolgadas.
Eram, algumas vezes, cidadãos galegos que se dedicavam a esta profissão e as cantigas com que acompanhavam o trabalho, denunciavam logo a sua origem.
Ainda hoje recordo, ter ouvido,  na infância, os sons que acompanhavam uma letra… qualquer coisa como isto: “Lle mandó  hacer  una rueda… de cutelos e navallas  si si…de cutelos e navallas…La rueda xa estava ancha…” 
Nos primeiros tempos, traziam, como instrumento de trabalho, uma roda grande que empurravam, rua fora,  por meio de dois varais. Mais tarde passaram a deslocar-se numa modesta bicicleta onde fora adaptada uma pedra de esmeril que, por meio de uma correia, se movimentava com os pedais. A cx. de ferramentas, cuja tampa se abria com dobradiças feitas com uns bocados de cabedal e fechava com um aloquete (no sul é objecto conhecido por cadeado), equilibrava-se normalmente atrás do selim. E, aquela oficina improvisada, lá os acompanhava, vida fora,  de terra em terra no modesto ganha pão diário.
Por graça, havia quem dissesse até  e isso nunca percebi porquê,   que o som da gaita de beiços do amolador anunciava chuva!
E aqui estive eu,  falando no pretérito mas, a verdade, é que, de longe em longe  ainda hoje nos é  possível ver, nas ruas,  esta figura típica.
Gostaram de recordar?
Até breve!

M.A.  

12/01/14

DESCOBERTAS RECENTES FEITAS EM ESCAVAÇÕES EM LISBOA


Enorme rampa de lançamento de barcos do séc. XVI foi descoberta debaixo da Praça D. Luís, juntamente com vestígios de estruturas de séculos posteriores.

A descoberta tem menos de um mês.

 Os arqueólogos encontraram uma enorme rampa de lançamento de barcos do séc. XVI junto ao mercado da Ribeira, em Lisboa.

 Feita com troncos de madeira sobrepostos, a estrutura ocupa 300 metros quadrados e data de uma época em que a cidade sofria os efeitos de sucessivos surtos de peste e epidemias, graças aos contactos com outras gentes proporcionados pelos Descobrimentos.
Para continuar a trazer de além-mar o ouro, a pimenta e o marfim que lhe permitiam pagar as contas, o reino investia na construção naval, e a zona ribeirinha da cidade foi designada como espaço privilegiado de estaleiros.
 Os relatos da altura dão conta de uma cidade cheia de escravos vindos de além-mar, mas também de mendigos fugidos do resto do país para escapar à fome.

Os arqueólogos nem queriam acreditar na sua sorte quando depararam com a rampa enterrada no lodo debaixo da Praça D. Luís, a seis metros de profundidade, e muito provavelmente associada a um estaleiro naval que ali deverá ter existido.

 "É impressionante: é muito difícil encontrar estruturas de madeira em tão bom estado", explica uma das responsáveis da escavação, Marta Macedo, da empresa de arqueologia Era.

No Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico o achado também tem sido motivo de conversa, até porque os técnicos desta entidade foram chamados a acompanhar os trabalhos, que estão a ser feitos no âmbito da construção de um parque de estacionamento subterrâneo.


A subdirectora do instituto, Catarina de Sousa, diz que esta e outras estruturas encontradas são, apesar de muito interessantes, perecíveis, pelo que a sua conservação e musealização na Praça D. Luís é "praticamente inviável".
 Como a escavação ainda não terminou, os arqueólogos acalentam a esperança de ainda serem brindados, em níveis mais profundos, com algum barco submerso no lodo, como já sucedeu ali perto, tanto no Cais do Sodré como no Largo do Corpo Santo e na Praça do Município. "É possível isso acontecer", admite Catarina de Sousa.

Musealização em estudo.

No séc. XVI toda a zona entre o mercado da Ribeira e Santos era de praias fluviais.
 Mas não era para lazer que serviam os areais banhados pelo Tejo.

Na História de Portugal coordenada por José Mattoso, Romero Magalhães conta como, poucos anos após a primeira viagem de Vasco da Gama à India, "a zona ribeirinha da cidade é devassada pelos empreendimentos do monarca [D. Manuel I] e dos grandes armadores".
Depressa surgem conflitos com a Câmara de Lisboa, ao ponto de o rei ter, em 1515, retirado ao município a liberdade de dispor das áreas ribeirinhas para outros fins que não os relacionados com o apetrecho e reparação das naus, descreve o mesmo autor.
 São as chamadas tercenas, locais dedicados à função naval e representados em vários mapas da época.
 Mais tarde a mesma designação passa a abranger também o lugar onde se produziam e acondicionavam materiais de artilharia.

O espólio encontrado pelos arqueólogos inclui uma bala de canhão, um pequeno cachimbo, um pião, sapatos ainda com salto - na altura os homens também os usavam -, restos de cerâmica e uma âncora com cerca de quatro metros de comprimento, além de cordame de barco.

 Também há uma casca de coco perfeitamente conservada, vinda certamente de paragens exóticas para as quais os portugueses navegavam.

Um relatório preliminar dos trabalhos arqueológicos em curso explica como a zona da freguesia de S. Paulo se transformou de um aglomerado de pescadores, fora dos limites da cidade de Lisboa, num espaço importante para a diáspora: "A expansão ultramarina contribuiu para uma reestruturação do espaço urbano de Lisboa, que se organiza desde então a partir de um novo centro: a Ribeira".

 Em redor do Paço Real reúnem-se os edifícios administrativos.
 "É na zona ocidental da Ribeira que a partir das doações de D. Manuel se irão instalar os grandes mercadores e a nobreza ligada aos altos funcionários de Estado, que irão auxiliar o rei (...) na expansão ultramarina e na centralização do poder", pode ler-se no mesmo relatório.

A escavação detectou ainda restos de outras estruturas mais recentes.
 É o caso de uma escadaria e de um paredão do Forte de S. Paulo, um baluarte da artilharia costeira construído no âmbito das lutas da Restauração, no séc. XVII. E também do vestígios do cais da Casa da Moeda, local onde se cunhava o metal usado nas transacções.

Por fim, foram descobertas fornalhas da Fundição do Arsenal Real, uma unidade industrial da segunda metade do séc. XIX.
"Esta escavação vai permitir conhecer três séculos de história portuária", sublinha outro responsável pela escavação, Alexandre Sarrazola.

Embora esteja ciente de que a maioria dos vestígios terá ser destruída depois de devidamente registada em fotografia e desenho, o arqueólogo diz que algumas das peças encontradas poderão vir a ser salvaguardadas e mesmo integradas no projecto do estacionamento, como já sucedeu com os vestígios do parque de estacionamento subterrâneo do Largo do Camões - ou então transportadas para um museu.

"Face ao desconhecimento do que ainda pode vir a ser encontrado por baixo da estrutura de madeira do séc. XVI está tudo em aberto", salienta, acrescentando que a decisão final caberá ao Instituto do Património Arquitectónico e Arqueológico


Nota da autora do post- Este texto foi-me enviado por uma amiga a quem agradeço. Por o ter achado interessante partilho-o com os nossos leitoreS

M.A.

04/01/14

A TI ANA DAS GALINHAS



Todos sabemos haver uma elevada percentagem de médicos que, a certa altura da vida,  se tornam  também  escritores. Esta profissão pode favorecer e mesmo incentivar o gosto pela escrita.  No estreito contacto com pacientes, contam-se histórias de vida onde o drama está  quase sempre presente  e, perante as quais o médico toma o papel  de um confidente. Assim, acumulam-se experiências e são apontamentos,  demasiado ricos para ficarem apenas na sua memória ou fechados numa gaveta.  
Se referi o  drama, não significa  que o caricato e divertido também não aconteçam  na relação médico doente. Alguns episódios  há que  despertam o nosso bom humor  e também merecem ser divulgadas. Enquadra-se nestes últimos o caso que hoje contarei neste post:

_O Dr. M. Pinho Rocha  (filho)  meu  conterrâneo e amigo, conceituado oftalmologista no Porto, no decorrer de  amena conversa que entremeava uma consulta com meu marido, foi abordado  por mim sobre algo que eu sabia ele escrevera. Sorridente, confirmou e, de imediato,  nos  fez oferta, autografada, de dois dos livros onde reunira, precisamente,  algumas das suas  recordações de médico.
Com a modéstia que lhe é peculiar, advertiu logo serem histórias simples, sem pretensões de maior.
Posso até concordar  que, estes livros, nem  sejam  obra literária de vulto, mas, para mim,  têm um valor muito especial. Para além de serem  o fruto da atenção, observação e, sobretudo, a  apurada sensibilidade de um homem bom, que neles imprimiu um cunho profundamente humano,   muitas das histórias, têm ainda a “saborosa”  particularidade de terem como protagonistas gente que eu também conheci. Em terras pequenas é fácil isto acontecer, como calculam!

Começando então o relato da  história que  escolhi para hoje,  direi que a Ti Ana  aqui mencionada, devia esta sua alcunha ao facto de vender aves de capoeira, no mercado da terra. O primeiro encontro dela com o autor do livro  deu-se, quando este, ainda  miúdo, caiu da bicicleta, na rua perto de sua casa. A Ti Ana, que ia a passar, terá sido a primeira pessoa a socorrê-lo. Entrou no “Marcelino”, uma taberna próxima, embebeu o seu lenço em aguardente e, com ele, limpou aqueles joelhos esfolados, De seguida acompanhou a criança até junto da família.  
Começou, deste modo, uma amizade que perdurou o resto da vida da Ti Ana.  Com bastante carinho e graça a descreve, no diálogo que existiu  entre  ele já, na condição de  médico e ela como sua doente. Estas ditas conversas eram, geralmente, salpicadas de vocábulos “bem pouco ortodoxos”, como era jeito da Ti Ana e que o médico lá ia desculpando…
Mas, para abreviar,  situemo-nos ao tempo  em que, devido ao avançar da idade,   a visão da Ti Ana estava já tão  diminuída que a sua qualidade de vida se tornava cada vez pior… Após alguma luta, este médico lá a convenceu a deixar-se operar.

Problema seguinte  foi a ida para o hospital, “uma estreia absoluta” para a Ti Ana, a qual acreditava também que, entrada em hospital…  era sinónimo de antecâmara da morte!
O médico prometeu-lhe que ela ficaria lá sob a sua protecção , mas, não deixou de lhe  recomendar também,  que naquele local, ela  devia ter a maior contenção com a língua…  
Na  véspera da operação, possivelmente entre suspiros,   lá  entrou a Ti Ana no hospital e, conforme a rotina,  administraram-lhe um clister de limpeza, facto que a deixou fula. A partir daqui, darei a palavra ao médico e o que irão ler é a real transcrição do seu livro:

…No dia seguinte de manhã pediu que me chegasse mais ao pé dela e, baixinho, contou o que se tinha passado:
« Apareceu aqui uma lambisgóia com umas coisas, disse que era para me lavar por baixo e até agradeci, mas, quando tal, enfiou-me pelo c. dentro assim um canudo estreitinho e começou a meter água ou lá o que era, a barriga começou a medrar; até que tive que dizer alto, senão ainda rebentava. A sorte dela foi não tentar fazer o mesmo na boca do corpo, porque então ficava a saber quem é a Ana das Galinhas! E já agora, diga-me uma coisa,  era preciso lavar o c. por dentro por causa das vistas?»
Não foi fácil explicar-lhe a razão de todos estes cuidados prévios, mas, cá à minha maneira, sempre tentei que compreendesse. Respondeu-me secamente:
«Agora está, está, e não se fala mais  nisso»!…

(Excerto do livro “Memórias de Médico”, do Dr.  M. Pinho Rocha)

Espero ter divertido os leitores com este delicioso episódio passado há  muitos anos atrás, na minha terra, ao tempo uma bonita vila (hoje cidade) da Beira Litoral.
 A Ti Ana já partiu deste mundo  mas o médico que a imortalizou deste modo, felizmente ainda vive e, quem sabe, se já terá escrito muito mais histórias. Vou tentar saber.
Qualquer dia trarei uma outra qualquer que irei buscar aos livros que nos ofereceu.

M.A.
Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

Localização

Localização
Localização