Como tudo começou

29/01/13

RECORDANDO JAIME NEVES




Morreu o Major General Jaime Neves.
A comunicação social, nos vários meios de difusão já se encarregou de falar bastante desta personalidade e da sua actuação, quer no 25 de Abril de 1974, quer no 25 de Novembro de 1975. As opiniões sobre ele divergem, como é de esperar, consoante a cor política de quem  fala deste homem. O rolar do tempo, melhor do que o juízo dos homens o julgará e lhe dará, na história, o lugar a que tem direito.

Nunca o conheci pessoalmente mas, entre amigos, sempre houve conversas em que dele ouvia falar, muito especial,  durante aqueles  anos conturbados de 74/75.
E, como a história se faz de episódios, grandes e pequenos,  decidi hoje recordar um, passado com este oficial  que, na altura, muito  me divertiu. Ainda hoje eu lamento não  ter assistido a esta cena!…
O próprio Jaime Neves referiu  aquilo que irei contar, numa entrevista dada  à Revista Tabu do Jornal “O Sol”, em 2/5/2009. Poderá ler, na integra, a dita entrevista clicando aqui.

Estava ele nos Comandos, julgo que em 1975,  quando teve conhecimento de que um certo número de deficientes estaria a sequestrar o Governo, manifestando-se em cadeiras de rodas e foi-lhe pedido que interviesse. A seguir,  serão as  exactas palavras de Jaime Neves que irei transcrever:

_”Fui, num jip civil e vi a manifestação. Fui ter com os meus condutores das duas Companhias de Comandos e disse: _Vamos descer em segunda  e quero o máximo de rateres. Eles não eram nada deficientes e, quando viram as chaimites, levantaram-se e desataram a correr. Largaram tudo. Eu carreguei duas camionetas com as cadeiras de rodas e as próteses, para a Amadora. Fiz um aviso na rádio a todos que as quisessem. Em 15 minutos levaram tudo”.

Bom, caros leitores, se desconheciam este episódio,  que comentário se vos oferece fazer?

Todos nós conhecemos uma passagem da Bíblia que nos descreve o milagre  da ressurreição de Lázaro.
Jesus Cristo, terá sido procurado por uma pobre e desolada viúva que lhe disse ter falecido seu filho, único amparo que tinha.
Jesus, dirigiu-se ao sepulcro do Lázaro e disse-lhe: “Levanta-te e anda”! E nesse mesmo momento o milagre deu-se e o defunto ressuscitou.
Ora, no caso anterior, temos que admitir que mesmo  não estando presente Jesus Cristo, 'algum outro fenómeno terá  ocorrido', para aqueles deficientes terem recuperado tão prontamente os seus movimentos!...
E eu e  todos vós, claro que  nos congratulamos se, por fim,  aquelas cadeiras e próteses foram realmente parar ao local certo, beneficiando quem delas precisava e talvez não tivesse meios para as adquirir…
E assim se fez história!
M.A.

25/01/13

BEETHOVEN, 10 000 PESSOAS CANTANDO NO JAPÃO


                                                            Sendai, 11 de Março de 2011

Recebi, de um amigo, o vídeo “Beethoven – 10.000 people singing in Japan!” e, depois de o ver e ouvir, decidi logo partilhá-lo com os leitores. Resolvi mesmo nem alterar o texto que o acompanhava, só não mencionando o seu  autor, por desconhecimento.

Vejam, ouçam, deliciem-se e emocionem-se!...
Todos admiram, mas não explicam que aqueles 10.000 cantores estão ali gratuitamente, movidos por uma causa comum: lembrar os desaparecidos na catástrofe de há um ano,(a)  próximo de Sendai, no norte do Japão.
Esta “cerimónia” é transmitida de Sendai, o maior centro urbano das proximidades da catástrofe de 2011! Como os japoneses (orientais e de outra cultura) lembram os desaparecidos e se unem no esforço de reconstrução... com o “Hino da Alegria!”…
O Beato Diogo Carvalho, um missionário jesuíta, natural de Coimbra, martirizado em Sendai, em 22 de Fevereiro de 1624, deve ter lá estado em espírito a iluminar aquelas vozes!...
E viram como estão todos vestidos?... Não há um único a destoar.
Em 1993, aquando dos 450 anos da chegada dos portugueses ao Japão, não
conseguimos reunir nos Jerónimos 450 vozes para cantar a mesma parte da Nona Sinfonia!...
Só quem viveu entre os japoneses ou os conhece profundamente percebe o que está por trás deste belíssimo espectáculo... Sem dúvida, um povo ultra civilizado!... Já em 1550 São Francisco Xavier percebeu isso muito bem!...

(a)-Foi em  11 de Março de 2011 

E agora, leitores, aqui fica o convite habitual para clicarem aqui a fim de estabelecerem a ligação ao  dito vídeo.
Termino com a mesma frase que aparece no início:
“Vejam, ouçam, deliciem-se e emocionem-se”
M.A.

21/01/13

LILICA A CADELA





Apareceu recentemente nos meios de comunicação a história de Lilita, uma cadela, que em determinada cidade brasileira, se comporta de forma verdadeiramente extraordinária.
Ela terá sido abandonada, um dia, junto de uma sucata e, por ali ficou, acamaradando com outros animais, comendo alguns restos de comida que os habitantes da zona lhes dispensariam. Há cerca de três anos foi mãe de alguns cachorros e então, talvez “consciente  das suas responsabilidades maternas” decidiu fazer-se à vida e procurar outros meios de subsistência…

Foi então que na sua procura, Lilica conheceu, do outro lado da cidade, distante dois kilómetros,  uma professora que tinha por hábito diário alimentar alguns animais vadios e, claro,  tomou logo lugar junto destes.
Até aqui nada de anormal mas, daqui para a frente, é que a atitude solidária deste animal se torna difícil de perceber num irracional. É que, depois da sua barriga cheia, ela segurou nos dentes o saco com o resto da comida e levou-o consigo. E assim passou a ser, diariamente, até que a tal professora resolveu segui-la até ao destino, verificando assim que a comida se destinava aos restantes animais, seus companheiros,  com os quais vivia, no tal local da sucata. Melhor que as minhas palavras, para perceberdes a história completa, será clicardes aqui e verdes o vídeo que foi feito .

Creio que os leitores já terão visto um programa da tv onde determinado senhor denominado “O encantador de cães”, nos ensina a educar e a conviver com os 4 patas que temos como animais de estimação. Como eu, também o terão ouvido mencionar algumas vezes que os cães apenas agem por instinto e que os  humanos é que são detentores da inteligência…Isto, sinceramente, suscita-me  certas dúvidas,  pelo convívio que sempre tive com animais desta espécie e pelo comportamento observado em alguns deles.

Se os leitores entenderem, cliquem também aqui para lerem o que diz, sobre o assunto, esta veterinária brasileira. Que tudo isto nos leve a reflectir, mais uma vez,  sobre os animais e, muito especialmente, sobre o comportamento que nós “classificados como humanos” devemos ter para com eles, os ditos irracionais…
M.A.  

19/01/13

SOBRE O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO…




Alguém amigo fez chegar às minhas mãos este apontamento da autoria de José Manuel Fernandes. Para saber mais sobre este jornalista só tereis que clicar aqui.
Quantas vezes, a brincar, se conseguem dizer coisas tão sérias, como é o caso deste texto, uma das razões  que mo fez  escolher para publicar neste  nosso blog. É cheio de bom humor nas propostas que apresenta, faceta que cada vez mais escasseia nas pessoas, cujas vidas  se tornam cada  vez mais complicadas.  Aproveitemos, pois, momentos destes para desanuviar um pouco o espírito.  
Pessoalmente, enfileiro ao lado dos que rejeitam o novo acordo ortográfico, razão pela qual nunca aderi às modificações propostas e mantenho as regras de escrita que tinha anteriormente. E a verdade é que conheço  gente bem  mais credenciada do que eu, nas  letras, que segue  propósito idêntico.
Ora leiam então:

A PROPÓSITO DO NÃO…

Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e
acompanhando a forma como as pessoas realmente falam .
Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros .
Comecemos pelas consoantes mudas: deviam ser todas eliminadas .
É um fato que não se pronunciam .
Se não se pronunciam, porque ão-de escrever-se ?
O que estão lá a fazer ?
Aliás, o qe estão lá a fazer ?
Defendo qe todas as letras qe não se pronunciam devem ser, pura e simplesmente, eliminadas da escrita já qe não existem na oralidade .
Outra complicação decorre da leitura igual qe se faz de letras diferentes e das leituras diferentes qe pode ter a mesma letra .
Porqe é qe "assunção" se escreve com "ç" "ascensão" se escreve com "s" ?
Seria muito mais fácil para as nossas crianças atribuír um som único a cada letra até porqe, quando aprendem o alfabeto, lhes atribuem um único nome.
Além disso, os teclados portugueses deixariam de ser diferentes se eliminássemos liminarmente o "ç" .
Por isso, proponho qe o próximo acordo ortográfico elimine o "ç" e o substitua por um simples "s" o qual passaria a ter um único som .
Como consequência, também os "ss" deixariam de ser nesesários já qe um "s" se pasará a ler sempre e apenas "s" .
Esta é uma enorme simplificasão com amplas consequências económicas,designadamente ao nível da redusão do número de carateres a uzar.
Claro, "uzar", é isso mesmo, se o "s" pasar a ter sempre o som de "s" o som "z" pasará a ser sempre reprezentado por um "z" .
Simples não é? se o som é "s", escreve-se sempre com s. Se o som é "z" escreve-se sempre com "z" .
Quanto ao "c" (que se diz "cê" mas qe, na maior parte dos casos, tem valor de "q") pode, com vantagem, ser substituído pelo "q". Sou patriota e defendo a língua portugueza, não qonqordo qom a introdusão de letras estrangeiras.
Nada de "k" .Ponha um q.
Não pensem qe me esqesi do som "ch" .
O som "ch" será reprezentado pela letra "x".
Alguém dix "csix" para dezinar o "x"? Ninguém, pois não ?
O "x" xama-se "xis".
Poix é iso mexmo qe fiqa .
Qomo podem ver, já eliminámox o "c", o "h", o "p" e o "u" inúteix, a tripla leitura da letra "s" e também a tripla leitura da letra "x" .
Reparem qomo, gradualmente, a exqrita se torna menox eqívoca, maix fluida, maix qursiva, maix expontânea, maix simplex .
Não, não leiam "simpléqs", leiam simplex .
O som "qs" pasa a ser exqrito "qs" u qe é muito maix qonforme à leitura natural .
No entanto, ax mudansax na ortografia podem ainda ir maix longe, melhorar qonsideravelmente .
Vejamox o qaso do som "j" .
Umax vezex excrevemox exte som qom "j" outrax vezex qom "g"- ixtu é lójiqu?
Para qê qomplicar ? ! ?
Se uzarmox sempre o "j" para o som "j" não presizamox do "u" a segir à letra "g" poix exta terá, sempre, o som "g" e nunqa o som "j" .
Serto ?
Maix uma letra mud a qe eliminamox .
É impresionante a quantidade de ambivalênsiax e de letras inuteix qe a língua portugesa tem !
Uma língua qe tem pretensõex a ser a qinta língua maix falada do planeta, qomo pode impôr-se qom tantax qompliqasõex ?
Qomo pode expalhar-se pelo mundo, qomo póde tornar-se realmente impurtante se não aqompanha a evolusão natural da oralidade ?
Outro problema é o dox asentox.
Ox asentox só qompliqam !
Se qada vogal tiver sempre o mexmo som, ox asentox tornam-se dexnesesáriox .
A qextão a qoloqar é: á alternativa ?
Se não ouver alternativa, pasiênsia.
É o qazo da letra "a" .
Umax vezex lê-se "á", aberto, outrax vezex lê-se "â", fexado .
Nada a fazer.
Max, em outrox qazos, á alternativax .
Vejamox o "o": umax vezex lê-se "ó", outrax lê-se "u" e outrax, lê-se "ô" .
Seria tão maix fásil se aqabásemox qom isso !
qe é qe temux o "u" ?
Se u som "u" pasar a ser sempre reprezentado pela letra "u" fiqa tudo tão maix fásil !
Pur seu lado, u "o" pasa a suar sempre "ó", tornandu até dexnesesáriu u asentu.
Já nu qazu da letra "e", também pudemux fazer alguma qoiza : quandu soa "é", abertu, pudemux usar u "e" .
U mexmu para u som "ê" .
Max quandu u "e" se lê "i", deverá ser subxtituídu pelu "i" .
I naqelex qazux em qe u "e" se lê "â" deve ser subxtituidu pelu "a" .
Sempre. Simplex i sem qompliqasõex .
Pudemux ainda melhurar maix alguma qoiza: eliminamux u "til"
subxtituindu, nus ditongux, "ão" pur "aum", "ães" - ou melhor "ãix" - pur
"ainx" i "õix" pur "oinx" .
Ixtu até satixfax aqeles xatux purixtax da língua qe goxtaum tantu de
arqaíxmux.
Pensu qe ainda puderiamux prupor maix algumax melhuriax max parese-me qe exte breve ezersísiu já e sufisiente para todux perseberem qomu a
simplifiqasaum i a aprosimasaum da ortografia à oralidade so pode trazer vantajainx qompetitivax para a língua purtugeza i para a sua aixpansaum nu
mundu .
Será qe algum dia xegaremux a exta perfaisaum ?...


I porqe naum?...
José Manuel Fernandes

Espero que tenham gostado do texto.  Até breve.
 M.A

12/01/13

UM CONVITE SURPRESA




O Jornal Expresso noticiava, em 30 de Outubro de 2012, o afundamento de dois antigos navios de guerra da Marinha Portuguesa, junto a  Portimão. eles foram colocados à profundidade de 30 metros  e  irão constituir  um futuro pólo de atracção turística. Tratou-se  da corveta “Oliveira e Carmo” e do navio patrulha “Zambeze” e, caso pretenda ver, em pormenor, o que se passou, só terá que clicar aqui. Sempre de louvar são todas as iniciativas que visem dinamizar o desenvolvimento do país.

Para chegar ao tema principal do post de hoje eu terei que  falar, a seguir, de  algo totalmente diferente…
Por exemplo,  do recente post  “Boas Festas dos Réis”, de 6/1 onde, recordando a minha filha quando tinha cerca de três ou quatro, contei um episódio que  julgo ter tido alguma graça.
Pois bem, essa mesma garotinha foi crescendo e pelos 15 anos, nas férias grandes, eu tive a ideia de lhe falar num curso de mergulho. Foi dito e feito. Pouco depois estavam os pais a acompanhá-la já para os mergulhos no mar, com plena satisfação da aluna e instrutores.
Mais tempo decorreu e as consequências de um acidente de carro vieram deitar por terra a continuação desta actividade, provocando, em troca,  várias estadias em hospitais para ela e muitas lágrimas e sofrimento em todos nós.
Período negro que encerro  para retomar o relato já  cerca do ano 2000, mais coisa menos coisa.
 Os anos que decorreram permitiram à tal menina crescer, fazer um curso, iniciar uma carreira, constituir uma família… e também, pela ordem natural da vida, ser mãe.  Primeiro de uma filha e, a seguir de um filho.  E um dia,  junto a este último, estava ela a  propor, igualmente, um curso de mergulho! Vejam só como a história se repetiu!...
Sugestão aceite ela, não contente com isso, resolveu ir com o rapaz fazer uma… actualização do que havia aprendido quando jovem e, imaginem que a paixão voltou… mais forte do que nunca! A juntar a isto veio ainda o gosto pela fotografia  subaquática. 
 Nunca mais parou e, tempo livre que tenha do seu trabalho é vê-la a meter os pertences do mergulho no saco e a abalar para a água com a equipa de amigos com quem costuma mergulhar.
Chegamos, finalmente, à  razão principal de toda esta conversa, que é fazer-vos um convite para que cliqueis aqui,  a fim de verdes um vídeo que mostra uma visita ao interior dos dois barcos afundados de que falei no início deste apontamento.
O tal grupo de amigos que costuma mergulhar em conjunto, (o nome da cada um deles aparece no final do vídeo)  não podia deixar de ir “espreitar” o que se passava por lá e, em 30 e 31 de Dezembro último, eles lá estiveram  de câmaras em punho a fazerem  as imagens  que agora eu estou a partilhar convosco.
Não se esqueçam de ligar o som que acompanha o vídeo e, espero sinceramente  que gostem desta visita surpresa que vos preparei, com a ajuda da filha e dos seus amigos.
M.A.

10/01/13

FALANDO DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN




Existindo apetência pela leitura, em especial por poesia, facilmente se identificará  quem  hoje serve de título ao nosso post mas, no caso de  alguém ter  dúvidas, por favor clique  aqui para saber algo mais sobre esta grande senhora, um dos  nomes cimeiros da nossa literatura contemporânea.
No entanto, do que eu hoje  venho  falar é, particularmente, de um texto escrito por  seu filho, o jornalista Miguel de Sousa Tavares,  publicado no jornal “O Público”, em 12 de Junho de 1999.
 Muito embora a figura central deste texto seja  a sua mãe, ele   fala também   da casa onde moravam, da importância que a poesia ali ocupava, daqueles com quem conviviam, mas…tudo descrito  ao jeito, ainda, dos olhos  da criança que ele foi.
 Que bem escolhidas foram as palavras neste   desfiar de recordações, entretecidas de muita ternura mas, onde também não se esquece um ou outro  “embaraço” que aquela mãe causava sendo, de certa forma diferente,  da maioria das outras mães.
Um retrato tão pormenorizado quanto expressivo dos valores que ela lhe transmitiu. A forma como o ensinava a olhar para as pessoas e as coisas, o  levá-lo a aperceber-se da diferença que   a magia da poesia dita e escutada, pode ter, comparada com a  poesia apenas lida e, em suma,  o ensinar a  olhar o mundo em seu redor com «verdadeiros olhos de ver» como, geralmente,  só os poetas conseguem fazer. 
Um conjunto de ensinamentos que como este filho afirmou terá sido  a moral que perpassou pela sua obra toda. 
 Hoje,  mesmo passados estes anos, este  texto não perdeu  actualidade porque do que nele se fala são  temas afinal, eternos!
Terminamos  com o poema de Sophia em que o  filho se inspirou e, ao qual ele foi buscar  o título:

E Ela Dança

Às vezes, quando a casa estava adormecida à noite, ela dançava pela sala fora, tal qual como escreveu ("bailarina fui mas nunca bailei"). Às vezes, convencia-se que havia ladrões em casa e acordava-me do sono para espreitar debaixo da minha cama, e às vezes havia ladrões a sério, com cara de assassinos e crachá da PIDE, que chegavam pela alvorada do dia, mas verdadeiramente ela não tinha medo dos ladrões nem dos esbirros do "velho abutre": só tinha medo de fantasmas.
Naquela casa, aprendemos cedo duas coisas sobre a poesia. A primeira, era que os poetas eram todos uns personagens extraordinários, que apareciam a horas imprevistas e diziam coisas surpreendentes. De todos, o mais fantástico era o Ruy Cinatti, que nos convenceu que era o nosso irmão mais velho, regressado de outra vida em Timor e que esteve à beira de conseguir transformar-nos em guerrilheiros contra a precária disciplina familiar. Vinham e iam constantemente poetas tristes ou alegres, cerimoniosos ou tumultuosos e até um, o Ruy Belo, que me levava à Luz ver o Benfica e jogava futebol comigo no jardim.
A segunda coisa sobre poesia que aprendemos é que a poesia é para ser dita e para ser escutada: é oral, não cabe nos livros. Eu não sabia nada de aritmética, nem de botânica ou mineralogia mas, aos dez anos, já tinha aprendido, de ouvido, a recitar sonetos de Shakespeare em inglês do século XVI, ou o "Erl König", do Goethe, em alemão. E quando ela trouxe para casa um disco com poemas do Lorca recitados em espanhol pela Germaine Montero, ouvi-o tantas, tantas vezes, que fiquei a saber de cor o imenso "Llanto por Ignácio Sanchez Mejia". À mesa, entre a sopa e o prato principal, dentro de um automóvel a caminho do sul ou na missa das sete da tarde na Igreja da Graça, de repente ela começava a recitar poesia com a mesma naturalidade com que os outros falavam de coisas triviais ou respondiam em latim ao "orate, frates!" do padre. Às vezes, naquele terror que as crianças têm que os pais pareçam estranhos em público, apetecia enfiarmo-nos pelo chão abaixo quando, à mesa de um café no Chiado, ou numa loja, em plenas compras de Natal, ou caminhando connosco pela rua de mãos dadas (por vezes, distraída, perdia-nos), ela começava a recitar poesia em voz alta, como se o mundo inteiro à sua volta lhe fosse de repente absolutamente alheio. Um dia, no eléctrico a caminho de casa, ela fixou-se num letreiro, por cima de uma janela, que rezava assim: "se alguma janela o incomoda, peça ao condutor que a feche." E então, no meio daquele silêncio envergonhado dos passageiros, que fingem não ver e não se ouvir uns aos outros, ecoou a voz dela, clara e silabada, recitando um poema: "se alguma janela o incomoda, peça ao condutor que a feche e que nunca mais a abra."
A mim, todavia, ensinou-me o mais importante de tudo: ensinou-me a olhar. Ensinou-me a olhar para as coisas e para as pessoas, ensinou-me a olhar para o tempo, para a noite, para as manhãs. Ensinou-me a abrir os olhos no mar, debaixo de água, para perceber a consistência das rochas, das algas, da areia, de cada gota de água. Ensinou-me a olhar longamente, eternamente, cada pedra da Piazza Navone, em Roma, sentados num café, escutando o silêncio da passagem do tempo. Fez-me mergulhador e viajante, ensinou-me que só o olhar não mente e que todo o real é verdadeiro. Quem ler com atenção, verá que esta é a moral que atravessa toda a sua escrita.
A outra lição decisiva foi a da liberdade. Não só a liberdade física, não só a liberdade na luta pela justiça, "num sítio tão imperfeito como o mundo", mas ainda a liberdade na busca de um caminho próprio onde as coisas tenham uma ética e façam sentido e, acima de tudo, a liberdade da nossa própria solidão. Prémios, condecorações, homenagens, são-lhe de tal forma alheios que ninguém mais o entende. Dêem-lhe, sim, silêncio e tempo, manhãs como a "manhã da praça de Lagos" e noites com "jardins invadidos de luar". E ela dançará. Ao longo das sílabas dos poemas, como dançava na minha infância.

Por delicadeza

Bailarina fui
Mas nunca dancei
Em frente das grades
Só três passos dei

Tão breve o começo
Tão cedo negado
Dancei no avesso
Do tempo bailado

Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei

Onde o mar aberto
E o tempo lavado?
Perdi-me tão perto
Do jardim buscado

Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei

Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse:
Também eu direi:

“Juventude ociosa
por tudo iludida
por delicadeza
perdi minha vida”

Quem sabe se, com este nosso modesto apontamento, conseguimos despertar em algum dos leitores o desejo de partir à descoberta da maravilhosa obra literária de Sophia de Mello Breyner Andersen.
M.A.

06/01/13

AS BOAS FESTAS PELOS REIS



 Em 2010, igualmente  sobre esta quadra, eu descrevi neste blog algumas memórias que tinha sobre a forma como, noutros tempos, ela se vivia no local onde nasci. Se acaso o quiserdes relembrar apenas tereis que clicar aqui.

Hoje,  voltando ao mesmo tema e recuando mais ou menos aos Reis de 65/66, eu irei contar-vos o que aconteceu com a minha filha, na altura uma garotinha de 3 ou 4 anos.
Como então disse, era costume as tunas musicais da vila e arredores  baterem-nos à porta, tocando e cantando, dando assim as Boas Festas e desejando um Bom Ano. Eram convidados a entrar, sendo-lhes oferecidos doces natalícios e algumas bebidas, bem como um envelope  com algum dinheiro.
Ora, nesse ano, a  minha filha viveu com particular alegria estes costumes e no que se refere à chegada  do Grupo Musical  Macinhatense,  tuna que vinha da terra natal de minha Mãe, quando a miúda reconheceu nela alguns dos elementos que eram também operários na fábrica do Avô, foi maior ainda o entusiasmo. Reparou na entrega do sobrescrito e eu, possivelmente, devo ter explicado do que se tratava. Foi então que ela  se ausentou, por momentos e, na volta, avançou direita ao Augusto, (que tocava rabeca e até 1992 regeu a tuna) enfiando-lhe na mão uma moeda de $50 centavos. Ele, sorridente, recusou pegando na garota ao colo e,  cada um dos adultos terá comentado, ao seu jeito, aquele gesto infantil de partilha…
Mas as coisas não ficaram por aqui porque fui, pouco depois,  encontrar a criança chorosa e ofendida pela recusa da sua oferta. Acalmei-a prometendo-lhe que iríamos resolver o assunto.
Assim, quando o Augusto regressou à fábrica para trabalhar, fomos as duas, junto dele fazer de novo a entrega da dádiva a qual, desta vez  não só foi aceite, como também foi acompanhada de um “pedido de desculpas” da parte dele…

A criança de ontem sei que ainda se recorda deste episódio. O Augusto já não está entre nós. Que descanse em paz e, aqui fica a sua foto, com o meu agradecimento por ter percebido que os sentimentos de uma criança também mereciam  respeito.
M.A.
Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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