Como tudo começou

18/03/08

PÁSCOA

No dia de Páscoa, manhã cedo, ia-se ao jardim cortar flores e verduras várias, que mais tarde seriam colocadas à porta de casa. Era este o sinal de que esperávamos a visita Pascal. Como a nossa casa ficava próxima da residência paroquial, também de manhã ouvíamos o som cristalino de sinetas que anunciavam a saída dos vários grupos de "O Compasso" que percorriam a freguesia. Ao mesmo tempo o sino da Igreja repicava com o mesmo fim.

Em minha casa, numa mesa com toalha de festa e esmerado arranjo de flores, eram colocados pratos com pão-de-ló, várias taças com amêndoas, Vinho do Porto e cálices para o servir e, numa pequena salva de prata, um envelope em que o meu pai colocava uma nota.

A seguir ao almoço é que a visita era feita naquela zona. Ouviam-se de novo o tilintar das sinetas e o grupo de cinco ou seis pessoas aproximava-se. O Padre à frente, de batina e mitra pretas , alva rendada e estola colorida com bordados. Os acompanhantes de opas brancas ou encarnadas traziam, o primeiro, a cruz prateada, toda enfeitada de laços e flores, o seguinte a caldeirinha de água benta, outros dois, os sacos para o dinheiro e para as amêndoas e, finalmente, o rapaz que fazia tilintar a sineta.

Havia um bom relacionamento entre a nossa família e o Pároco e, boa disposição e brincadeira estavam sempre presentes, até mesmo, quando a solenidade desta visita poderia levar a uma atitude mais contida. Ora, a provar o que digo, em certo Domingo de Páscoa, logo à entrada da porta, disse o Padre para o miúdo da caldeirinha:

"Rapaz, espalha muita água benta porque nesta casa há muitos diabos!"

De imediato o meu pai olhando também para o miúdo, retorquiu:

"Rapaz, espalha mesmo muita água benta porque o maior de todos os diabos está entrando agora e é o Sr Abade!"

Seguia-se a ida até à sala onde eram beijadas a cruz e a estola. Trocavam-se cumprimentos entre os presentes com as palavras Aleluia e Santa Páscoa. Os que queriam bebiam e comiam. A oferta em dinheiro e as amêndoas iam para os sacos respectivos. Estas guloseimas serviam para, em casas seguintes, adoçar a boca de outros que não as podiam comprar.

Despedidas feitas lá ia o Compasso de visita a outros paroquianos, sempre acompanhados por aquele som cristalino Dlim-Dlim-Dlim…

M.A.

4 comentários:

Gi disse...

Adoro estas histórias, Maria Amélia ;)

M.A.R. disse...

Sabe, Gione, nem sempre é facil trazê-las "à luz do dia". São sempre bocados de uma vida que vão caíndo fora de nós mesmos...

Anónimo disse...

Mas dão-nos sempre prazer que alguém as recorde e as partilhe neste blog. Francisca

M.A.R. disse...

Só que, este tipo de recordações tem sempre duas faces, uma doce e outra... que nos trás alguma saudade, como se adivinha.
Senti também muita pena de, não ter comigo, fotografias tiradas nessa época, que ilustrassem o texto que escrevi.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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