Como tudo começou

08/09/10

FADO GAGO



Todos nós já tivemos o prazer de ouvir o “Fado Falado” na maravilhosa versão do saudoso João Vilaret e, por certo, também, não poucos se recordarão da “charge” que a seguir apareceu, o “Fado Mal Falado” na inconfundível voz e jeito característico de Hermínia Silva.
No entanto, de entre os nossos leitores, talvez haja quem desconheça aquilo de que hoje falaremos. É que, inspirado nestas duas “fontes” foi composta para o espectáculo “FADOS” de Ricardo Pais, uma terceira e engraçada versão intitulada “Fado Gago”.
Desta vez a letra e música são de Sérgio Godinho e é também a sua voz que a divulga, no álbum “As Noites Passadas, edição de 1995. Ouçam-na clicando aqui.
Para os que ainda a não conhecem pensamos que será uma surpresa e, para todos os outros, relembrá-la, também não deixará de ser agradável. Aqui fica igualmente o poema.


Fado triste
fado negro das vielas
onde,
agora é que são elas
encomendaram-me este fado
"...- Mas só se for falado...
"Fado falado?
Pagam bem e dão trocado
o fado é pago!
Mas eu que sou gago
só consigo balbuciar...
(melhor cantar:)

Mãos caprichosas
que sebosas
mimoseiam a guitarra
mimoseando
o fado nefando
que se entranha
nas vielas
mãos tagarelas
indecentes
mãos tão juntas,
tão ardentes
os dedos quentes
insolentes
só se amainam na guitarra


Espera aí
já percebi
que entoando
mesmo falando, mesmo falando
se falar como que em verso
não gaguejo e até converso
(como as tais mãos na guitarra...)

Eram assim essas mãos
mãos de ferro e mãos de farra
desse Chico de má-vida
que (p'ra ser fiel à história)
andava na boa-vida
com a Glória
e está bom de ver
que o mulherio de Alfama
que é todo de alta linhagem
achava aquilo suspeito: vem de viagem
esse Chico marinheiro, todo feito
e vá de pendurar a âncora
na varanda da pequena


(Estão a ver a cena...)
E está bom de imaginar
(mesmo sem ver)
que dentro desse lugar
o que tinha a mercearia mesmo emfrente
tudo era transparente
o Chico, quando dormia
era marinheiro em terra
era a paz depois da guerra, a sua Glória
por isso dormiam juntos
sem divisória

Mãos muito sábias
tantas lábias
nas linhas das quatro palmas
são duas almas
irmanadas
pelas sinas da paixão
corpo na mão
mão que esvoaça
e amordaça
a sensatez
e cada vez
que o fado canta
esqueço tanta
da gaguez

Mas um dia - há sempre um dia
(Moeda ao ar!)
a cara e a coroa
viram a sorte mudar
vamos lá explicar

É que o Chico,
c'a memória
de ter amor de mulher
vez à vez, em cada porto
não cuidou de amar a Glória
foi-se à fruta no pomar
deixou a planta no horto
ou seja:resolveu catrafilar
toda a mulher que passava
na rua por onde a Glória - e aqui vai
mas desta história -espreitava
Ah! Que a Glória é mulher tesa...
quando viu o Chico
rua abaixo, rua acima
atracado a uma 'pirua'
uma garina
de resto bem conhecida
daquelas que faz p'la vida
e ela toda pimpante
e ele todo galante


Veio-lhe à boca o ciume
e a navalha foi lume
brilhando de raiva
todo este bairro, que saiba
que os dois que ali vão
vão ter de morrer
ai, vai correr muito sangue
eu esfolo, estrafego
eu pego nos dois
atiro as carcaças ao rio
e nem olho p'ra trás
tudo isto faz
alarido
e o Chico já ferido
só tenta dizer:
- Glória, que fazes?
Que morro sem quase
ter tempo de me arrepender
dá-me uma oportunidade
e nesta cidade
eu prometo ser teu
eu quero morrer no mar alto
e depois ir p'ró céu

Mãos homicidas
amanticidas
assim eram se não fosse
o olhar doce
por um instante
desse homem
tão inconstante
mãos que da Glória
têm o nome
e em seu nome vão amar
eu fico gago
com o afago
que essas mãos souberam dar


E o afagar dessas mãosj
á desenha na pele
a promessa futura- Jura, vá jura que és
todo meu 'té ao fim
todo, todo de mim
- Glória, vou desembarcar
dessa vida em que andava
à deriva no amor
- Chico, os meus braços de mar
dão-te abrigo e calor
E assim acaba esta históri
ao Chico e a Glória
está bom de se ver
ambos com vidas atrás
vão atrás de uma vida
em que é tudo viver
quem fala assim
não é gago
(não quero voltar a um assunto
encerrado)
mas...digam-me lá
se eu não sou gago
e canto o fado.


Esperamos que tenham gostado desta versão tão bem humorada, onde não falta sequer um pinguinho de brejeirice! Que este poema vos tenha deixado com um sorriso nos lábios e que esse mesmo sorriso fique para o resto do vosso dia.
M.A.

3 comentários:

Quica disse...

É um dos bons artistas portugueses.

Este fado, para mim, pode ser fado declamado e o denominado fado vadio.

Gostei da letra e da interpretação.

Foi um prazer ouvi-lo.

Quica disse...

É um dos bons artistas portugueses.

Este fado, para mim, pode ser fado declamado e o denominado fado vadio.

Gostei da letra e da interpretação.

Foi um prazer ouvi-lo.

rodrigueswilson disse...

Há uma versão do José Pedro Gomes muitíssimo expressiva. A música assume um tom mais cómico do que nesta versão do Sérgio Godinho.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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