Como tudo começou

20/04/12

“CONFIDÊNCIA” E… COINCIDÊNCIAS




Hoje, leitores, irei contar-lhes, ainda que resumidamente, uma história passada comigo a qual demonstra que nunca devemos desistir daquilo que pretendemos alcançar. Mesmo passados mais de vinte e cinco anos, como foi o caso de que falarei, pode surgir o bom resultado do nosso esforço.

Há muitos anos atrás, vendo eu, na tv, o programa “E o Resto são Cantigas”, ouvi o Maestro Belo Marques dizendo poemas seus. Foram dois sonetos e o excerto de um poema dedicado a sua mulher, pelos 50 anos de casamento. Porque gostei deles, consegui gravar, escrevê-los e guardá-los.
Procurei livro seu onde pudessem estar publicados, tentando várias vias sem resultado. Pouco tempo depois deu-se também o falecimento do Maestro.
O tal excerto, fui-o dizendo, algumas vezes, em Bodas de Ouro de amigos e, em 14/02/08, assinalando o Dia dos Namorados, resolvi incluí-lo no post deste blog .. Numa nota final, falei da minha pena de ter tentado, em vão, obter a versão completa do poema.
O tempo decorreu e, já este ano, pelo e-mail do blog, uma nossa leitora de Braga informou que tinha o poema completo e que, anos antes já nos contactara sem ter obtido resposta, mas insistia, de novo, na oferta do mesmo. Por qualquer razão, o primeiro mail nunca me chegou às mãos mas, perante este segundo, logo me apressei a responder à leitora de Braga, a qual, tempo depois, efectivamente, mo enviou mas, dizendo também já não possuir o livro onde o lera, nem recordar o nome.
Em nova busca, desta vez também pelo facebook, deparei com alguém que usava o mesmo apelido do Maestro e, pelo contacto depois estabelecido, confirmei ser uma sua Neta. A amabilidade desta senhora foi inexcedível, deu-me o nome do livro, “Post-Scriptum” e mandou-me igualmente fotocópia do poema, tal qual lá se encontra. Ao mesmo tempo dizia-me lamentar já não ter nenhum exemplar do livro para me oferecer.
Claro que o livro está esgotadíssimo, o que entretanto eu já verificara também.
Porém, logo a seguir, descobri que no facebook se criara uma página sobre o Maestro e nela fora publicado o tal poema “Confidência”. Deixei um comentário sobre o mesmo.
Então, no passado dia 25 de Março (faço questão de mencionar a data porque coincidia precisamente, com a da morte do Maestro, ocorrida vinte cinco anos antes ) eu tive a grata surpresa de a sua Neta me informar que o Pai, filho do Maestro, tendo lido o meu comentário, entendera que “eu merecia” um dos exemplares da reedição feita do Post- Scriptum e da qual ele tem ainda alguns exemplares. Cá para mim, de onde quer que o Maestro se encontre, deu um “empurrãozinho” em todo este processo!…
Termino pois, com a satisfação de vos dizer que o Post Scriptum já está em meu poder, guardado com a maior estima.
E agora, tem a palavra o Maestro Belo Marques em:


CONFIDÊNCIA
Sabem?
Tenho uma amante,
Uma loucura, um feitiço.
Uma aleluia de amor.
-Mas o que tenho eu com isso??
Dirá o leitor.
Tem razão, sim senhor.
É feia
esta mania de falar de mim;
Que triste ideia!
Desculpe, sim?!
Porém,
embora lhe faça espanto,
tenho de continuar.
Logo, portanto,
queira escutar:


Tenho uma amante
É tão bom ter uma amante!...
Ela olhou para mim,
seus olhos disseram sim
e eu, nem sei o que disse.
Talvez alguma tolice;
-Depois tudo foi verdade.
Duas verdades numa só vontade,
nós os dois
Ela e eu.
Depois
Aconteceu.
Um ai por outro trocado
um certo atrevimento envergonhado
e meio tonto,
Uma meiga travessura,
um beijo do tamanho da loucura
e pronto.
Foi há momentos? Há cem anos já?
eu sei lá?
Numa feliz partida,
Luminosa como aurora,
Dei uma volta em volta de outra vida
Que minha agora.


Nós temos casinha
de frutos de cheiro,
amoras primeiro,
morangos depois.
E cama feitinha
de rama pinheira,
fofinha, mimeira,
que dá para dois.
Às horas primeiras
do nosso noivado
que fora firmado
por todo o porvir,
lembravam fogueiras
que toda esta vida
foi feita à medida
do nosso sentir.
Que santas mentiras,
de doidos pecados
tão mal disfarçados,
que todos os viam!
Que cómicas iras
nos olhos bonitos,
que Deus dos aflitos,
de amor encobriam!
Por vezes ficava
sem voz pensativa,
fazia-se esquiva
mostrando arrelia.


Mas eu amuava
Também por defesa,
sentindo tristeza
por tanta alegria.


Fazíamos tudo
por estarmos sozinhos,
depois nos cantinhos,
pequenos pecados,
Diálogo mudo
de santo segredo
mas sempre com medo
de sermos culpados.
Tenho uma amante
Sonhos meus
Reprovam? Valha-me Deus!
O que é preciso é viver.
A minha amante é tudo a que me prendo
e querem saber?
Há cinquenta anos já. Fiquem sabendo.


Duas sombrinhas no rosto,
dois olhinhos de sol-posto.
Sabem lá como é lindo o meu amor?
Que importa que o tempo passe
pondo-lhe rugas na face?
Pois deixem pôr.
Eu tenho uma amante que os dias não conta,
O tempo amedronta
mas não atropela.
Os anos apagam-se. Por conseguinte,
eu tenho só vinte,
dezoito tem ela.


E é com este poema, composto com palavras tão simples quanto expressivas , que vos deixo, leitores. Perdoem ter este post saído um poucochinho mais extenso.
M.A.


4 comentários:

Quica disse...

Confidência:

Que maravilhosa maneira de homenagear a sua esposa, companheira de vida.

O poema é todo ele uma ternura, só uma pessoa com uma grande sensibilidade como o Maestro Belo Marques, conseguiria escrever um poema tão lindo.

Anónimo disse...

Quica:

Sou uma privilegiada, porque tive oportunidade de, recentemente, descobrir muitos mais poemas seus bem inspirados...
Alguns irão aparecer por aqui.

Anónimo disse...

Como ignorar a ternura se ela adoça e se nos entranha. Se ela mente ou delira é porque sonhar é bom, quando acordados não deixamos de nos surpreender com o que, estando dentro dos outros, nos preenche e aquece...
Abraço
Miguel, o Félix

M.A. disse...

Pois é como diz, Miguel. Bom é que se continue a apostar na ternura como uma mais valia no relacionamento entre pessoas... A propósito disto vêm-me ao pensamento as palavras de José Régio...
"Quem desespere dos homens,
Se a alma lhe não secou
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou.
E é capaz de amar as plantas.
Apostar nos animais
E ter criancices tais,
Tais e tantas,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem fôr"

Apareça mais vezes, Miguel, trazendo os seus comentários. Abraço grande da M.A.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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