Como tudo começou

12/09/12

Os figos secos do Algarve

foto minha(figos alinhados em esteira de cana)




A abundância e a excelência dos figos de Silves foram celebradas pelos autores antigos desde tempos imemoriais.
Nos princípios do século XII, o geógrafo muçulmano Al Idrisi, ao descrever a cidade de Silves, assinalava: "A cidade de Silves faz parte da província de Chenchir , cujo território é celebrado pelos figos que produz, enviados para todas as regiões do ocidente e que são de uma excelência e doçura incomparáveis".
Durante muitos séculos, praticamente até aos nossos dias, os figos secos foram o produto mais exportado do Algarve e ocuparam lugar de relevo na economia regional. O valor alimentar dos figos secos ou "passados", associado á duração da sua conservação, fez deles um recurso muito apreciado pelas gentes do campo. No Algarve rural dos anos 50, era vulgar dizer-se que, "com uma algibeira de figos e um cucharro de água, fica um homem confessado", isto é, almoçado. Quando em 1189, D. Sancho I e os cruzados cercaram Silves, os mouros, depois de escassearem os outros alimentos, "mantinham-se de figos".
Com a conquista definitiva de Silves, em 1253, os mouros que permaneceram como forros (livres) foram autorizados pelo rei a conservar as suas propriedades mediante o pagamento de impostos e o cumprimento de certas obrigações. Uma dessas obrigações era cuidar das vinhas e dos figueirais do rei. Desde finais do séc. XIII que há notícias de exportação dos figos de Silves para a região da Flandres, tendo-se desenvolvido um intenso comércio nos séculos seguintes.
Uma extensa zona de figueirais e vinhas, com cerca de duas léguas, era conhecida pela designação de Loubite e situava-se entre Silves e Lagoa, ocupando uma faixa que ia, mais ou menos, desde o sítio de S. Pedro até ao mar, na actual Armação de Pêra.
Tanto o Livro do Almoxarifado de Silves (c.1451-53) como o Tombo do Almoxarifado de Silves (c.1552-53) referem numerosos figueirais e vinhas em Loubite. Todavia, ainda no século XVI, já Loubite estava algo abandonado, como testemunhava Frei João de S. José (Corografia do Reino do Algarve, 1577): "Um sítio de terra lhe cai contra o mar que tem quase duas léguas em comprido, toda chã e frutífera, em que os moradores têm suas quintas de figueiras, olivais e vinhas, a que chamam Lobite, a qual se caíra em mãos de gente italiana, fizeram nela outro paraíso terreal, mas como os Portugueses naturalmente somos pouco astuciosos (...) está perdido". Entretanto, o mesmo autor destaca a crescente importância de Alcantarilha, "com mais de 200 vizinhos", "todos lavradores em boas terras e figueirais que em seu termo tem". Mais nos informa que a maior parte do figo de Silves e do Algarve era exportado através do porto da Mexilhoeira Pequena (ou da Carregação): "está pegada com o rio de Vila Nova (...). Neste lugar se embarca o mais figo do Algarve e o porto onde o embarcam que está junto das casas tem cem braças de altura".
Em seguida, Frei João de S. José descreve detalhamente as diversas fases da produção e comercialização dos figos:
"As principais fazendas do Algarve são os figueirais e deitam-se os homens mais a eles que a outra cousa, porque se dão em toda a terra e é novidade de cada ano e mais certa que o pão.
(...)
Aos santos domingos pouca gente fica nas povoações, porque ou estão nas fazendas continuamente os de casa ou esses que nelas ficam nestes dias vão a ver e desenfadar-se com os outros; e é tanto o regozijo e contentamento que mostram neste tempo, a que chamam alacil, uns dum e outros d'outro, com diversos cantares e tangeres, que facilmente se deles entender que pera eles aquela é a melhor parte do ano e ainda mais alegre da vida. Todos neste tempo andam fartos e contenta assi ricos como pobres e se melhoram nos vestidos de suas pessoas e alfaias de casa, de maneira que este tempo, no Algarve, é como a ceifa em Alentejo, quando anda o trigo polas eiras.
(...)
Nestes figos assim postos, que pera outra nenhüa cousa prestam, se criam uns bichinhos, cada um de seu grãozinho, dos que têm os figos dentro, como milho, e saem pelo olho do figo maduro, à maneira de mosquitos de vinho, piquenos, e se põem nos olhos dos outros figuinhos que estão piquenos e verdes e os tocam. A maneira que nisto têm não o alcancei, porque é um segredo maravilhoso da natureza e daí se vão e morrem sem mais serem vistos. Basta que eles lhe põem tal virtude que estes figuinhos assi tocados crecem e maduram a seu tempo e se fazem muito fermosos.
(...)
É o figo bom mantimento, em especial pera os do Algarve, que o têm já em costume, e serve muitas vezes em lugar de pão à gente do monte e aos pobres, e também de cevada às bestas, de farelos aos porcos e ainda aos cães e gatos, porque, enquanto ele dura, todos geralmente participam dele. E a todos sustenta e, por isso, chamam os Mouros a este tempo alacil, que quer dizer em sua língua "mesa de Deus", que a todos farta.
(...)
O mais deste figo se leva do reino pera Flandres e daí vai muito dele pera mais longe. E o modo de o vender e comprar, quando vêm as naus da carregação, é o seguinte: os mercadores da terra são os que comummente compram e lhe põem o preço, que se chama mote e manda cada um deles apregoar pela cidade ou vila que ele quer comprar o figo e tomará a tal preço peça e quarteirão, porque assim costumam; que quem lho quiser vender por aquele preço lhe leve a casa; e esta é a comum venda e compra desta fruta, salvo se algumas pessoas particulares o querem bom e de bons petos (= gostos), porque estas encomendam-no antes ou vão-no lá a buscar. Quando os Flamengos o compram por si mesmos, é cousa gostosa ver alguns deles fazer a experiência desta mercadoria: porque não abrem as seiras nem querem ver o figo, mas tomam um espeto e dão duas ou três estocadas por diversas partes das seiras e depois passam o espeto pela boca e, se o acham azedo, não o querem, mas, se lhe sabe a doces, dizem bono, bono e logo o pagam sem mais referta."


fc

1 comentário:

Quica disse...


O povo sempre soube tirar partido, do que a natureza lhe dá.

Pena é,com tanta figueira que o nosso país tem, os figos serem vendidos a um preço exorbitante.


Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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