O post sobre a pastelaria do Sr Natário porque referiu Jorge Amado, trouxe-me à lembrança um episódio, passado em 1988, que li, no seu livro Navagação de Cabotagem. Irei transcrevê-lo com o intuito de mostrar que, fazer feliz alguém, por vezes, até nem é nada, mesmo nada difícil …
“O sapo enorme, de cerâmica, abandonado no jardim da casa de Carybé, exposto à chuva, coberto de limo. Os donos da casa não estão, não posso perder a viagem, grito pelo Aurélio, (o motorista de J.A.) transportamos o sapo para o carro. Aurélio chama minha atenção para um detalhe precioso: o grande sapo carrega nas costas um filhote pequenino, lindo.
Colocado no parapeito do janelão da sala de jantar, sobre os azulejos de Carybé, as armas de Oxossi e as de Oxum, o sapão assumiu a presidência da confraria de sapos que se espalha nos jardins, sob a piscina, ao lado da varanda, em cima dos móveis, nas estantes, em todas as partes da casa, pois o sapo é o meu bicho. Sapos de todos os feitios, esculpidos nas matérias mais diversas – cerâmica, pedra-sabão, papel machê, ferro, acrílico, vindos dos quatro cantos do mundo: do México, da Tailândia , da Inglaterra, do Peru, de Ouro Preto, do Cambodja, de Portugal, da China e por aí vai. Até hoje Carybé não se deu conta do roubo, espero que jamais o descubra.
Logo que viemos morar na Bahia, durante meses e meses um sapo cururu habitou no jardim, numa espécie de tanque ali existente. Também ele enorme, quase do tamanho do que roubei de Carybé. Só que o de Carybé é de barro, o nosso era vivo e, nos dias de muita chuva abrigava-se na varanda onde cantava a sua alegria de viver.
Caribe morria de inveja do nosso sapo cururu, a cobiça transparecia-lhe no rosto de ver Zélia coçar as costas do bicho que inflava de contentamento. Zélia gravou-lhe o coaxar poderoso num pequeno aparelho portátil que levamos escondido a casa de Carybé em dia de chuva. Conversávamos no atelier, Nancy servia gostosuras, bebíamos um trago, Zélia achou maneira de colocar o gravador em funcionamento no interior da bolsa, semi-aberta, o canto do sapo cururu ressoou, os olhos de Carybé se iluminaram:
_’tão ouvindo? Tem um sapo cururu vivendo no jardim…
Precipitou-se escada abaixo, sob a chuva, até hoje procura seu sapo cururu.”
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P.S. Digam-me então, leitores, se não era preciosa a amizade de quem até gravou o canto do sapo cururu, para fazer um amigo feliz
M.A.
3 comentários:
Há sempre gestos e atitudes que registamos deste ou daquele amigo, ou preconizadas por nós mesmo, que com coisas simples, podem efectivamente trazer/dar felicidade.
Estou delíciada com as leituras que as minhas amigas, Fátima e Amélia me têm proporcionado, só que a noite já não é uma criança e os meus comentários vão ficar por aqui. Beijinhos. Francisca
Quanto a mim Francisca, o problema não está em " a noite já não ser uma criança" mas sim em "haver uma criança que lhe chegará com o romper do dia". Digo bem ou não?
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