Tenho por hábito dizer que existe uma família por obrigação e outra por devoção: Os nossos Amigos! E julgo que concordam comigo, pois, em relação a esta segunda “família” nós vamos escolhendo e conservando apenas aqueles que nos interessam, o que efectivamente não é possível fazer, quanto à primeira.
Vem isto a propósito de alguém, que já não se encontra entre nós e de quem me apetece falar hoje. Tínhamos bastantes afinidades na forma de encarar a vida e conversar sobre ela, ainda que, entre as nossas idades, não fossem poucos os anos de diferença.
Era um homem bom, um homem de paz, muito sereno, de voz pausada, que tendo ido em novo para o Ultramar, por lá foi vivendo do comércio de exportação de madeiras. Chegou a atingir um certo desafogo financeiro que, felizmente, nunca lhe tirou as características de homem simples que sempre foi. Pela sua rectidão de carácter era uma pessoa muito respeitada tanto pelos brancos como pelos pretos, facto de que, em boa verdade, nem todos os que por lá andaram se poderão orgulhar. Ouvi-lhe um dia dizer que nunca precisara de recorrer às autoridades para ter gente a trabalhar para si.
Sobre todos os anos passados no mato contou-nos inúmeros episódios, alguns muito curiosos mesmo. Mas, ao contrário de outros “africanistas”que conheci, fazia-o sempre com uma certa humildade, bem diferente daquele espírito fanfarrão característico.
Bom, feita esta descrição resta acrescentar que era igualmente um homem cheio de humor, um humor subtil como poderão avaliar daqui a pouco.
Curiosamente, a sua esposa era a antítese dele. Sendo igualmente uma excelente pessoa, nem a serenidade nem a calma lhe assentavam como atributos próprios. Toda extrovertida, falava alto e em bom som e dizia logo, num rompante, tudo quanto tinha para dizer, empregando, se preciso fosse, “as vinte e três letras do abecedário”…Percebem o que quero dizer, não é assim?
Feita a descrição das personagens imaginem agora esta cena:
Estava eu numa cama do hospital após uma operação a um ouvido, quando, eles os dois, me entraram no quarto. A conversa vinha acesa, da parte dela, e apercebi-me de que a divergência estava relacionada com uma mudança de casa que, na altura, faziam.
Fui em defesa dele, já que era o que se impunha, “dada a diferença de forças ser por demais evidente”: Ela vinha mesmo muito zangada…
Conseguindo interromper a torrente de palavras dela, foi então, que o bom do meu Amigo A. teve oportunidade de, com a sua voz pausada, proferir uma das frases que jamais esqueci e que, ainda hoje, acho, definiu, com bastante graça, a sua cara metade:
_Ó menina, quando eu pego no martelo e num prego com a ideia de ir colocar um quadro na parede, esta mulher já me está a dizer que o quadro ficou torto!
Quantas pessoas conhecemos nós a quem esta mesma frase assentaria como uma luva?!...
P.S.- É possível que um dia volte para lhes contar, da mesma pessoa, um outro episódio que, sem a sua intervenção, teria tido consequências bem graves.
M.A.
2 comentários:
Amélia, pois é!
Francisca
Amélia, conte, conte... Estou delíciada a ler, nem dou pelas horas a passarem.
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