Toda a gente já ouviu falar do poeta Bocage e das suas anedotas brejeiras. Mas poucos conhecem a sua vida e a sua obra, apesar de ser considerado o mais completo autor da estética pré-romântica.
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, em 15 /09/1765 e morreu há 203 anos, em Lisboa. Retratava-se como um homem magro, de olhos azuis e carão moreno. Irrequieto e aventureiro, assentou praça aos 14 anos, matriculando-se depois na Academia Real de Marinha . Pouco cativado pelo curso, torna-se uma destacada figura de botequim e de boémia. Vai ao Rio de Janeiro em 1786 e logo depois embarca para Goa onde chega com 21 anos e várias competências entre elas a de tradutor de francês e italiano. Chega a tenente de infantaria, mas dada a sua rebeldia incomodar muita gente teve que fugir para Macau. De lá regressa a Lisboa em 1790.
No ano seguinte publica o primeiro dos três volumes de “Rimas” (editados entre 1791 e 1850) e entra na Arcádia Lusitana adoptando o nome de Elmano Sadino. A sua vida desenrola-se então entre noitadas e tertúlias onde usa e abusa dos seus dotes extraordinários de improvisação. Também frequenta os palacetes da aristocracia. A linguagem enriquece-se de termos de calão que ele utiliza dando à sua poesia um travo de veracidade popular que levou mesmo Herculano a dizer que ele trouxera a poesia dos salões para a praça pública.
A sua natureza rebelde e libertina continua a trazer-lhe dissabores e, em 1797 é mesmo acusado de irreverências antimonárquicas e anticatólicas. Esteve preso durante meses no Limoeiro. Influências de amigos e até de inimigos conseguem transformar o delito contra o Estado em erro religioso, o que o fez transferir para os cárceres da inquisição, muito debilitada depois do governo pombalino. Fica também com a obrigação de receber , no Convento das Necessidades a doutrina da Congregação do Oratório. Tudo isto lhe provoca um certo desgaste e, quando sai, é alguém bem diferente. Com 40 anos é um homem conformado e precocemente gasto. Ganha a vida com traduções, revisões de provas, aperfeiçoamento de obras alheias. As sua traduções de Virgílio, Ovídeo, Delile, Castel, Rosset, abriram caminho para um certo gosto descritivo nas letras portuguesas.
Considerado o maior poeta português do Sec.XVIII, ficaram conhecidos os seus sonetos, epigramas sarcásticos e apólogos em jeito de fábula. Entre 1791 e 1804, além das “Rimas” publicou os “Improvisos” e “Novos Improvisos”. Em 1811, seis anos depois da sua morte, foram publicadas as Obras completas no Rio de Janeiro.
O inimigo de hipócritas e frades morreu, vítima de um aneurisma, no dia 21/12/1805, em Lisboa. A sua vida foi uma constante confrontação entre conceitos tantas vezes opostos, entre contradições aflitivas que o seu génio e visão romântica foram sempre ultrapassando.
Retrato de Bocage de Augusto Flamengo, 1889 (óleo sobre tela, Casa de Bocage, Setúbal)
Autógrafo de Bocage.(Biblioteca Pública de Évora)
Frontespício das “Rimas”. Tomo I, 4ª Edição, Lisboa (Imprensa Nacional)
Elementos biográficos e fotos retirados do “Club do Coleccionador”.
M.A.
4 comentários:
Será de mim... Mas foi poeta pelo qual nunca me encantei... Ou ele não encantou a mim... Ou não me terei deixado encantar...
Más recordações de um ano de Liceu.
beijo enorme!
Ó tranças, de que Amor prisão me tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó Tesouro! ó mistério! ó par sagrado,
Onde o menino alígero(1) adormece!
Ó ledos(2) olhos, cuja luz parece
Tênue raio do sol! Ó gesto (3) amado,
De rosas e açucenas semeado
Por quem morrera esta alma, se pudesse!
Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter (4) suspira!
Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois?... Sois de Vênus?(5) -
É mentira; Sóis de Marília, sois de meus amores.
Glossário
1 - Cúpido / Literalmente, alígero significa rápido ligeiro.
2- Risonho alegre
3 - significa rosto, é muito comum na poesia clássica
4 - Deus supremo, o pai de todos
5 - Deusa da beleza e do amor
oh Fátima... nem parece teu... sempre pensei que desses a conhecer a outra faceta do nosso Bocage!!! lol
Beijos!
É um dos meus poetas de eleição.
Aprendi a gostar de poesia com a minha professora de português. Este poeta era mais conhecido pelas suas brejeirices, mas o mais belo dele foi pouco divulgado. Vivemos num país que só agora é que está a descobrir e a compreender os nossos poetas!
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