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“Entre nós, este Santo é festejado pelo povo com os chamados “magustos”, que são essencialmente convívios familiares ou de amigos, onde, por vezes, se canta e dança enquanto se comem castanhas cozidas ou assadas e se bebe água pé ou jeropiga. Nos meios rurais era ao ar livre que o povo se reunia tendo por pólo central um tronco a arder, onde as pessoas, além de se aquecerem assavam igualmente as castanhas. É também o dia em que, por tradição, se mete o espiche nos pipos do vinho da colheita do ano, para se fazer a primeira prova. Convidam-se os amigos para esta cerimónia e há sempre umas fatias de pão caseiro, queijo, azeitonas, presunto e salpicão como acompanhamento. A propósito, para vos divertir, contarei um episódio pitoresco a que, ainda criança, eu assisti:
"A D. Carolina, da Casa de Gateande nunca se esquecia de convidar os meus pais para a prova do vinho da sua quinta. Nesta casa, para além dos petiscos já mencionados, apareciam também na mesa uns deliciosos rojões de que eu muito gostava. Ora, naquele ano, quando foi apontado o trado, (para quem desconheça é um género de broca manual), mais ou menos a meio do pipo e se fez rodar o mesmo para perfurar a madeira, o vinho não jorrou pronto como seria de esperar. Nova tentativa, mais em baixo e o resultado foi o mesmo. Terá sido a terceira tentativa falhada que levou a constatar que o pipo estava praticamente vazio!
Passados alguns instantes de perplexidade, fez-se luz no cérebro da D.Carolina que, no seu jeito de falar, um tanto livre, deitou cá para fora uns tantos “vocábulos pouco vernáculos”, mas que traduziram a sua indignação dirigida ao Sr. Soares, seu esposo, amante nato da lei do menor esforço e amante ainda muito mais fervoroso da pinga que se fazia lá pela quinta.. A algumas desconfianças que ela já tivera, juntou mais uns tantos dados e a explicação, surgiu da sua boca para divertimento de todos nós.
Por cima da adega ficava o celeiro, cujo sobrado, um tanto gasto, tinha já alguns buracos e, um deles, estrategicamente, ficava mesmo por cima do pipo. Como durante um tempo os pipos se deixam com a abertura superior sem o batoque, para o vinho respirar, esse foi o período propício para que um tubo de borracha retirado de um irrigador lá entrasse e permitisse que o Sr. Soares, a pouco e pouco, dia após dia, sem que ninguém suspeitasse, o tivesse trasfegado quase todo para a sua barriguinha. Não fora surgir de permeio o dia de S. Martinho e o Sr. Soares teria conseguido levar a cabo a tarefa de secar a vasilha…
O fim da visita cumpriu-se porque na adega havia mais pipos cheios. Mas… o conteudo daquele primeiro já se fora!
A D. Carolina bem guardara as chaves da adega, mas esqueceu-se do ditado popular que diz: A necessidade aguça o engenho!”
São Martinho é o primeiro dos Santos não Mártires, o primeiro Confessor, que subiu aos altares no Ocidente. A liturgia consagra-lhe um lugar semelhante aos dos Apóstolos, por ter sido ele quem concluiu a evangelização das Gálias. Nasceu na Sabária Panónia) e veio para as Gálias como soldado.Sendo ainda catecúmeno, deu um dia perto de Amiens a um pobre, que Ihe pedia esmola por amor de Cristo, metade da clâmide. Na noite seguinte, Jesus Cristo apareceu-lhe vestido com essa metade que ele dera ao pobre, e disse-lhe: "Martinho, sendo ainda catecúmeno, vestiu-me com este manto".Recebeu o baptismo aos 18 anos. Depois de viajar pelo Oriente, onde se iniciou na vida monástica, faz por algum tempo vida de eremita numa ilha das costas da Ligúria. Finalmente, fez-se discípulo de Santo Hilário, que então florescia na cadeira episcopal de Poitiers e fundou no deserto de Ligugé, a duas léguas da sede do Bispado, um mosteiro para onde se retirou com alguns discípulos. Lançou assim os alicerces do monaquismo nas Gálias.Mas Deus não queria que esta luz, ficasse oculta debaixo do alqueire, e S. Martinho foi arrancado à paz da solidão e revestido da dignidade episcopal, que lhe deu ensejo para desenvolver largamente os dotes do seu coração de apóstolo. Pregou o Evangelho pelos campos da Gália e extirpou de vez os resíduos tenazes do paganismo, que tinham resistido à investida cristã a coberto da superstição e da ignorância do povo. Colocado à frente da diocese de Tours, fundou a célebre abadia de Marmoutiers ou o grande mosteiro aonde com frequência se retirava para viver mais longe do mundo,e mais perto de Deus..Viveu mais de oitenta anos, ocupado sempre com a glória de Deus e a salvação das almas, e morreu em Candes, perto de Tours, em 397.Poucos santos alcançaram a popularidade dele. Só em França há perto de mil igrejas paroquiais e 485 burgos e lugares com o seu nome. Em Roma é notável a igreja de S. Silvestre e S. Martinho, onde se faz a estação de quinta-feira da quarta semana da Quaresma.
Chaves, Luís – Excerto de S. Martinho de Tours”, in separata da Revista de Etnografia nº 1, Museu de Etnografia e História (1963)
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“Entre nós, este Santo é festejado pelo povo com os chamados “magustos”, que são essencialmente convívios familiares ou de amigos, onde, por vezes, se canta e dança enquanto se comem castanhas cozidas ou assadas e se bebe água pé ou jeropiga. Nos meios rurais era ao ar livre que o povo se reunia tendo por pólo central um tronco a arder, onde as pessoas, além de se aquecerem assavam igualmente as castanhas. É também o dia em que, por tradição, se mete o espiche nos pipos do vinho da colheita do ano, para se fazer a primeira prova. Convidam-se os amigos para esta cerimónia e há sempre umas fatias de pão caseiro, queijo, azeitonas, presunto e salpicão como acompanhamento. A propósito, para vos divertir, contarei um episódio pitoresco a que, ainda criança, eu assisti:
"A D. Carolina, da Casa de Gateande nunca se esquecia de convidar os meus pais para a prova do vinho da sua quinta. Nesta casa, para além dos petiscos já mencionados, apareciam também na mesa uns deliciosos rojões de que eu muito gostava. Ora, naquele ano, quando foi apontado o trado, (para quem desconheça é um género de broca manual), mais ou menos a meio do pipo e se fez rodar o mesmo para perfurar a madeira, o vinho não jorrou pronto como seria de esperar. Nova tentativa, mais em baixo e o resultado foi o mesmo. Terá sido a terceira tentativa falhada que levou a constatar que o pipo estava praticamente vazio!
Passados alguns instantes de perplexidade, fez-se luz no cérebro da D.Carolina que, no seu jeito de falar, um tanto livre, deitou cá para fora uns tantos “vocábulos pouco vernáculos”, mas que traduziram a sua indignação dirigida ao Sr. Soares, seu esposo, amante nato da lei do menor esforço e amante ainda muito mais fervoroso da pinga que se fazia lá pela quinta.. A algumas desconfianças que ela já tivera, juntou mais uns tantos dados e a explicação, surgiu da sua boca para divertimento de todos nós.
Por cima da adega ficava o celeiro, cujo sobrado, um tanto gasto, tinha já alguns buracos e, um deles, estrategicamente, ficava mesmo por cima do pipo. Como durante um tempo os pipos se deixam com a abertura superior sem o batoque, para o vinho respirar, esse foi o período propício para que um tubo de borracha retirado de um irrigador lá entrasse e permitisse que o Sr. Soares, a pouco e pouco, dia após dia, sem que ninguém suspeitasse, o tivesse trasfegado quase todo para a sua barriguinha. Não fora surgir de permeio o dia de S. Martinho e o Sr. Soares teria conseguido levar a cabo a tarefa de secar a vasilha…
O fim da visita cumpriu-se porque na adega havia mais pipos cheios. Mas… o conteudo daquele primeiro já se fora!
A D. Carolina bem guardara as chaves da adega, mas esqueceu-se do ditado popular que diz: A necessidade aguça o engenho!”
M.A.
7 comentários:
Ah grande Soares.....!
As saudades que eu tenho dos magustos na coreto em Serreleis!
A necessidade, hein?
A secura é uma coisa horrível. :D
Fátima
Cá por São Martinho estamos a festejar o Santo com tasquinhas, água-pé, castanhas e bailarecos...
Mas este seu primeiro comentário... falar numa altura destas em Serreleis... minha querida amiga foi de propósito?
Um abraço e uma boa semana!
Infelizmente não pude ir a Lisboa.
António
Já imprimi! :)
Vai comigo. Amanhã vai-me ser útil e vim aqui de propósito porque desconfiei que me iam elucidar uma aresta ou outra!
beijinho às duas lindas! :)
Este ano não vi ou comi castanhas... :(
Isto recorda-me muito a minha infância.
Com a devida vénia irei hoje linkar este excelente texto.
Pedro Oliveira:
Agradecemos a sua visita e as suas palavras simpáticas. Linkar este nosso apontamento significa levá-lo junto de mais leitores o que é também agradável para nós. Volte sempre que queira.
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