Como tudo começou

03/12/08

O MARÉGRAFO DE CASCAIS – UMA RARIDADE CENTENÁRIA



HÁ UNS CASINHOTOS ESTRANHOS NA NOSSA COSTA. NÃO SÃO MUITOS E A MAIORIA PASSA DESPERCEBIDA. O MAIS CONHECIDO E TAMBÉM O MAIS ILUSTRE LOCALIZA-SE EM CASCAIS, NO LADO DIREITO DA BAIA, JÁ QUASE NA MARINA. ESTÁ UM POUCO ABAIXO DO PASSEIO DA RAINHA DONA MARIA, JUNTO ÀS MURALHAS OESTE DA FORTALEZA. PARECE UMA GUARITA. GUARDA UM MARÉGRAFO.

Em tempos, o marégrafo de Cascais foi um aparelho fundamental para medir a altura das marés, definir o zero hidrográfico e estudar a evolução do nível das águas do mar Está agora ultrapassado por um aparelho mais moderno, muito mais pequeno e mais eficiente, que se localiza nas águas da marina. Mas o velho marégrafo de Cascais, construído em 1882, tem um passado ilustre.
A primeira utilidade dos registos das marés é criar uma série histórica de que se pode extrapolar o futuro. Sabe-se, desde Newton, que as marés são provocadas pela diferença de atracção do nosso satélite sobre os diferentes pontos do nosso planeta. Na parte da Terra virada para a Lua, a atracção é maior e as águas sobem. Na parte da Terra oposta à Lua, a atracção é menor e as águas também sobem afastando-se do nosso satélite. Nas restantes áreas da Terra as águas descem, transferindo-se massas oceânicas para as zonas de maré-alta.
Ao efeito da Lua junta-se, mas em menor grau, o do Sol, exactamente pelas mesmas razões. Umas vezes o nosso satélite aparece alinhado com o Sol, alturas em que a força dos dois astros se adiciona, provocando marés mais fortes, as marés vivas. Outras vezes está em posição desalinhada, causando marés mais fracas.
O movimento das águas depende ainda do recorte da costa, da profundidade das águas costeiras, dos movimentos fluviais, da pressão atmosférica e de muitos outros factores.
No Sec. XIX o célebre físico inglês William Thomson, mais tarde conhecido por Lorde Kelvin, percebeu que a única maneira pratica e eficaz de fazer previsão de marés num determinado porto, consistia em recolher dados sobre a subida e descida das águas e extrapolar esses dados de acordo com um modelo matemático que desenvolveu.
Entrando no casinhoto vê-se ao fundo um poço estreito mas bastante profundo. Uma bóia está suspensa nesse poço e comunica com um aparelho central, permitindo medir o nível da superfície do mar. Como o poço atinge as águas da Baia de Cascais através de um tubo profundo, as ondas são amortecidas e a bóia oscila menos que as águas da baia. Filtra-se o sinal, como se diz em estatística.

Um mecanismo de cabos e roldanas comunica o nível do mar a uma peça que tem no terminal uma caneta. A caneta escreve num papel que está enrolado num tambor. O tambor é movido por um mecanismo de relojoaria bastante preciso que roda lentamente, dando uma volta completa em 24 horas. Ao fim do dia fica registada a evolução do nível das águas. Um funcionário muda a cor da caneta. Ao fim da semana, troca a folha de papel por outra. Retorna-se à estaca zero. Assim tem sido durante décadas e décadas. Os registos do marégrafo de Cascais geram uma das séries de dados mais longas do mundo.

Quando foi feito o primeiro levantamento geodésico rigoroso do país, no Sec XIX, foi necessário referir a altitude de cada ponto ao nível do mar. Usaram-se para isso os dados do marégrafo de Cascais.
Na realidade o levantamento estendeu-se de 1857 a 1892 e a publicação das cartas foi feita entre 1862 e 1904. Foi um trabalho muito demorado. Dele resultou a primeira Carta Corográfica de Portugal, na escala de 1 para 1000 000, o que quer dizer que cada centímetro da carta representava um quilómetro e que Portugal aparecia com a largura aproximada de dois metros.

Ao passar por Cascais, não nos esqueçamos de de olhar para aquele modesto casinhoto, meio esquecido na ponta da baia. Passa já um século sobra a data em que ele contribuiu para o primeiro mapa moderno de Portugal. Os marégrafos não se medem aos palmos.

Excerto de um trabalho do Prof. Nuno Crato (Prof de Matemática e Estatística do ISEG), publicado na revista do Club do Coleccionador.
As fotos são do mesmo escrito e mostram a primeira, uma antiga vista da baia com o marégrafo em baixo, à direita.
As outras três,mostram, respectivamente:
- Relógio construído em 1877. Funciona desde a instalação do marégrafo e marca a rotação do tambor.
- O tambor faz uma rotação diária. Todos os dias se muda a cor da caneta.
- Ao fim de uma semana retira-se o papel, onde ficam registados os níveis da água ao fim de sete dias.

M.A.

1 comentário:

Anónimo disse...

Amélia, o que se aprende neste blog.Obrigada

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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