Como tudo começou

24/12/09

O MILAGRE DA NOITE DE NATAL



A Virgem Mãe, depois de reparar
que ninguém mais se encontrava lá na ermida,
desceu devagarinho do altar,
_como temendo ser surpreendida_

e foi espreitar, pé ante pé,
à janela que deita para a rua:
no Céu, brilhava clara a luz da lua.
Em seu altar sorria S. José…

Nem viv’ alma. E então Nossa Senhora,
segura já de que ninguém a via,
pôs em acção a ideia redentora
que tivera naquele santo dia.

Foi buscar um cestinho de costura
que ocultara no vão de uma janela.
O cesto era pertença da capela:
_não se rompesse a veste ao padre-cura…

Cortou em largas tiras o seu manto,
enfiou uma linha numa agulha
e, depois foi sentar-se para um canto
mas sem fazer a mais ligeira bulha.

Quem a visse coser assim tão bem,
ora enfiando ora puxando a linha,
di-la-ia a melhor costureirinha,
mas nunca, certamente, a Virgem Mãe!

O S.José sorria sempre muito,
olhando-a com sincera devoção:
é que ele bem sabia o meigo intuito
que obrigava a Senhora a tal serão.

Os outros Santos, todos num cochicho,
não perdiam de vista o altar-mor,
o Santo António, para ver melhor,
até ia caindo do seu nicho…

Houve uma Santa – a gentileza manda
sobre o seu nome conservar sigilo –
que até ficou de resplendor à banda,
tais voltas deu para espreitar aquilo.

A Senhora entretanto costurava,
presa num sonho que se não descreve,
alheia ao tempo que fugia breve
e ao pasmo que em redor se condensava.

Esteve assim cosendo horas a fio,
à frouxa luz da trémula candeia.
De entretida, nem dava pelo frio…
E, contudo, nevava sobre a aldeia!

Fez bibes, camisinhas, tudo quanto
pode servir de abafo a um petiz.
Cada vez refulgia mais feliz
o seu olhar imaculado e santo.

E as peças que a Senhora ia acabando
os anjos de um retábulo da igreja
levavam-nas depois num voo brando
– voo de pomba que no Céu adeja –

às criancinhas que andam pelo mundo
sem roupa, sem abrigo e sem família…
A Virgem continuava na vigília.
Havia em roda um soluçar profundo.

Por fim, adormeceu, ou de cansaço
ou por doce milagre de Jesus.
– Um enxoval inteiro no regaço
e na fronte uma auréola de luz!

E de manhã na missa do Natal,
quando o prior saiu da sacristia,
foi encontrar a Virgem que dormia
_ tendo nas mão a agulha e o dedal.

Adolfo Simões Müller
«Caixinha de Brinquedos»
Este poema teve o 1º prémio nacional de Literatura Infantil em 1973

Imagem- Adoração dos Pastores de Jusepe de Ribera
M.A.

5 comentários:

Goldfinger disse...

Fátima


Venho desejar-lhe e a todos os colegas, amigos e familiares um Santo e Feliz Natal

António

Clotilde Moreira disse...

A todos um bom Natal e que a Esperança se transforme em realidade.

Clotilde

Fatima disse...

Amélia é fantástico este post.
Obrigada

Quica disse...

Muito bem escolhida esta poesia.

Obrigada, Amélia.

M.A. disse...

Adolfo Simões Müller tem uma forma de fazer poesia simples mas de agrado quase certo para grandes e pequenos. Achamos que seria a altura adequada de dar a conhecer estas quadras. Voltaremos a falar dele qualquer dia. Obrigadas pela visita, Golgfinger, Clotilde, Fátima e Quica.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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