Como tudo começou

28/02/09

PARÁBOLA DA AREIA E DA LÁGRIMA


Dantes, lá longe, nos confins arábios
Que se estendem do Líbano à Caldeia,
Vivia um velho, sábio entre os mais sábios
Dos Essénios da Síria e da Judeia.

Ora, um dia ,uma lenta caravana
Surgiu dos horizontes pela calma,
Trazendo em canjirões de porcelana
Essências de Bagdad e óleos de palma.

De regresso à distante Ásia Menor
Por aqueles desertos solitários,
Era um arménio, um jovem mercador,
Quem dirigia os lentos dromedários.

O sol morria. Às bandas orientais
Despontava, sanguínea, a lua cheia.
Havia alí um poço. E os animais,
Ruminando, ajoelharam-se na areia.

Passou-se a noite. E quando à boca de alva,
O mercador se ergueu junto à cisterna,
Viu o sábio aprumando a fronte calva,
De pé, no limiar duma caverna.

_Mestre, lhe disse, eu venho de Bukara,
Da colheita do bálsamo e do incenso.
E em toda a parte, com ternura rara,
Ouvi falar do teu saber imenso.

_Mestre, tu és por certo aquele monge
De quem tanta virtude eu venho ouvindo.
Disse-lhe o sábio: _Irmão, vens de bem longe...
Quem quer que sejas, homem, sê bem-vindo.

_Mestre, tornou-lhe o mercador de essência,
Ao camelos esperam a partida.
Aponta-me o caminho da Existência;
Ensina-me a parábola da Vida.

E, alongando o seu braço descoberto,
O monge erguendo a voz profunda e sábia,
Disse, fitando a areia do deserto,
Sob o céu ardentíssimo da Arábia:

_Traz-me um punhado dessa areia de oiro.
E o homem foi. E em renques paralelos,
Imóveis e fitando o bebedoiro
Eram de bronze os plácidos camelos.

E o homem mergulhou as mãos na areia...
Mas, qual se fora praga de bruxedos,
Mal empunhou uma febril mão-cheia,
Fugiu-lhe a fina areia entre os dedos.

E novamente as suas mãos nodosas
Mergulharam na areia e se crispavam.
Entretanto, como sombras silenciosas,
Os camelos imóveis esperavam.

Oh! A tragédia íntima do homem
Ante essa areia líquida e escaldante,
Vendo que os seus esforços o consomem
E todo o esforço é vão e vacilante!

Porém, como num lívido quebranto,
Ficou prostrado e atónito a olhar;
E uma lagrima límpida, de pranto,
Rolou-lhe e sobre a areia foi tombar.

E essa lágrima ardente, enorme e túmida,
Vertida do seu próprio coração,
Bastou para tornar a areia húmida
E afeiçoá-la ao côncavo da mão.

Então, como de súbito desperto,
O monge ergueu-se ‘inda robusto e ágil:
_A Vida é como a areia do deserto,
Pó transitório, inconsistente e frágil.

_Mas basta uma só lágrima de dor
E o mesmo pó, inútil e disperso,
Cristaliza-se em séculos de Amor.
É a alma de Deus no Universo.

_E agora parte, ó mercador de essência!
O Sol vai alto e a Arábia é desmedida!
Apontei-te o caminho da Existência!
Tu mesmo és a Parábola da Vida!

RAMIRO GUEDES DE CAMPOS (ABRANTES) 1925
(Fotos da Net)
M.A.

4 comentários:

Anónimo disse...

Tanto saber, tanto ensinamento,numa poesia.

Anónimo disse...

Há mais de 20 anos busquei, incessantemente esse poema: "PARÁBOLA DA AREIA E DA LÁGRIMA".
Declamei-o algumas vezes, na década de 1960 e não lembrava mais.
É um poema que, além da reflexão nos dá uma sábia lição de vida.

Heinz Tage disse...

O admirável poema supra apresenta infelizmente algumas gralhas que se impõe sejam corrigidas pois desvirtuam, quer a sua qualidade artística, quer o seu sentido filosófico.
Para o efeito podem contactar-me para o e-mail: heinztage@gmail.com

Anónimo disse...

Heinz Tag, tem toda a razão. De facto, no segundo verso da oitava quadra é: "Os camelos..." e não "Ao camelos..."; também logo no início do primeiro verso da décima quarta quadra é: Por fim..." e não "Porém..."
É ainda possível que haja mais algumas outras imprecisões, nomeadamente gramaticais, na transcrição aqui apresentada deste notabilíssimo poema, porém essas já são de somenos.

Sociedade de Instrução Musical e Escolar Cruz Quebradense

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